Onde estão as Políticas de Atendimento à Criança e ao Adolescente?

09 de Junho de 2016 Por Sérgio Henrique

“A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”
(parágrafo único, art. 4º., Estatuto da Crinça e do Adolesdente)

 

Nessa estrada de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, de maneira mais organicamente desde 1993, já ouvi muitos dizerem que o Estatuto da Criança e do Adolescente só veio para definir direitos, sem estabelecer nenhum dever e que, por isso, tem aumentado a “delinquência” e a violência entre as crianças e adolescentes, a falta de respeito pelos pais, professores e a coisa pública. Máxima cômoda e maliciosa. Se não vejamos o que define o próprio Estatuto em seu artigo 6º.:

"Na interpretação desta Lei levar-se- ão em conta os fins sociais
a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e
deveres
[grifo meu] individuais e coletivos, e a condição peculiar
da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento."
(art. 6º, Estatuto da Criança e do Adolescente).

 

Então, não têm como dizerem que o Estatuto não estabelece deveres. Está explícito no artigo aqui transcrito. Ademais, essa mesma Lei estabelece que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, garantidos na Constituição e na Lei (art. 15), assim como todo e qualquer cidadão brasileiro. Os Direitos dos quais trata o Estatuto da Criança e do Adolescente são os direitos Fundamentais para todo e qualquer Ser Humano, como vida, saúde, educação, convivência familiar e comunitária... Em nenhum dos 267 artigos do Estatuto haverá menção que esses se autodeterminam, que não devem mais respeitar aos pais, professores ou “mais velhos” e que os limites não devem mais ser estabelecidos. A diferença é que esses limites não podem ser mais colocados a partir de castigos físicos, maus-tratos, violência, tratamento desumano, situações vexatórias ou constrangedoras, da mesma forma como não se pode tratar assim nenhum ser humano.

Venho dizendo, que implementar e fazer operar o Estatuto da Criança e do Adolescente em sua essência é a oportunidade da sociedade brasileira rever as suas práticas, métodos e instituições. Oportunidade de desalojamentos e desconstruções, de processos, programas e projetos que permitam a esses um continente seguro para transitarem e para construírem as suas histórias de maneira saudável, possibilitando o exercício pleno da cidadania e coletividade.

É mister que haja mais respostas eficazes, eficientes e efetivas, para reverter o quadro de violência e violações, o empobrecimento da família e a criminalização da pobreza, bem como o alarmente quadro de jovens exterminados em nosso país (a grande maioria e negros e pobres). Essas respostas têm que se expressar em ações, em um conjunto de ações que compõem a Política de Atendimento, que ainda não foi implementada ao pé da letra da Lei:

"A política de atendimento dos direitos da criança e do
 adolescente far-se- á através de um conjunto articulado de ações
governamentais e não-governamentais, da União, dos estados,
 do Distrito Federal e dos municípios."
(art. 86, Estatuto da Criança e do Adolescente).
 

Vamos, vamos olhar para a realidade dos municípios.Nos perguntarmos e nos colocarmos na posição daqueles que fazem o diagnóstico e monitoramento: quais as políticas sociais básicas, os programas e serviços de assistência que garantam a proteção social, a promoção e potencialização das famílias, os serviços de proteção e atenção às vitimas de maus-tratos, violências, uso e abuso de drogas, de identificação e localização de pais de crianças e adolescentes desaparecidos, de combate à exploração ao trabalho infantil, enfim, quais são os programas que existem nos municípios conforme determina o artigo 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente? Onde estão os Sistemas Municipais de Ações Socioeducativas? Zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente é, a meu ver, antes de tudo, exigir a concretização da Política de Atendimento, conforme a complexidade social, política, econômica e cultural de cada município, bem como atuar para que se cumpra o princípio da prioridade absoluta, definido na Constituição e no Estatuto. Levantar a cabeça do “umbigo do atendimento” e perceber que a aplicação e execução das medidas de proteção dependem desses programas e serviços. Sendo assim, o Conselheiro e a Conselheira Tutelar também se constituem como Agentes Políticos, pois estão nos espaços de controle social e de responsabilização, para que a Proteção Integral se efetive em cada município.

Dessa forma, a Criança e o Adolescente deixam de ser o “sujeito do atendimento” (ou o atendido), para realmente se constituírem como Sujeitos de Direitos. Na aplicação das medidas de proteção nesse espaço, o Conselho Tutelar atua de maneira a garantir o interesse superior desses sujeitos e busca a responsabilidade primária e solidária, do Poder Público, para a efetivação plena desses direitos (III e IV, art. 100, Estatuto da Criança e do Adolescente).

Deliberar, implementar e Monitorar a Política de Atendimento da Criança e do Adolescente é dever de todos. Garantir a integração operacional do Sistema de Garantias de Direitos. Buscar o engajamento da sociedade civil, através de suas entidades representativas; pensar em um Ministério Público e Judiciário, mais entendedores das realidades locais, menos distantes, ou intervencionistas e, por vezes autoritários; buscar a aproximação da Defensoria Pública para militar mais em causas difusas e coletivas, principalmente em municípios do interior; promover o ordenamento e reordenamento das entidades de atendimento, são temas que não podem sair de nossas agendas e das pautas. Somos todos pela Promoção, Defesa e Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, mas isso se faz com militância, articulação, mobilizações e efetivações de Políticas Públicas para essa área. Por enquanto essa é a pergunta que não pode sair das pautas e agendas: Onde estão as Políticas de Atendimento à Criança e ao Adolescente?

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